sábado, 7 de novembro de 2009

QUE FOI FEITO DOS VELHOS 'CLIPPERS' DE CABO RUIVO ?

Quando eu era miúdo, nos idos de 50 (do passado século, como não podia deixar de ser), vivi no Barreiro, terra à qual ainda hoje me sinto ligado por fortes laços de afecto. Geralmente só dali saía para ir a Setúbal -ao Liceu Bocage, onde durante 4 anos fingi que estudava- e para fazer uma viagem anual à aldeia do Alto Alentejo onde tenho as minhas raízes. Desta grande aventura periódica fazia parte uma interminável jornada de comboio (a vapor), que começava na histórica estação do Rossio e tinha o seu término, muitas horas mais tarde, num adormecido apeadeiro do hoje quase desactivado ramal de Cáceres.
Recordo-me que, entre os muitos e variados espectáculos proporcionados por esse périplo, dois me encantavam e excitavam particularmente : a passagem diante do imponente castelo de Almourol, erigido pelos cavaleiros Templários de D. Gualdim Pais no século XII, e a passagem fugaz defronte da doca de Cabo Ruivo; onde, em determinada época, se alinhavam vários hidroaviões ‘Clipper’ da companhia Pan American (hoje extinta), que asseguravam uma linha regular de passageiros entre a costa leste dos Estados Unidos (Port Washington, Nova Iorque) e a Europa continental, com escala obrigatória nos Açores (Horta) e na nossa velhinha capital.
Esses magníficos aparelhos -do tipo Boeing 314- acabaram por desaparecer, depois de lá terem permanecido vários anos ao abandono. Vítimas, sem dúvida, das ‘performances’ de aeronaves comerciais mais modernas e mais rápidas, que eram capazes, já na transição das década de 50/60, de transpor o vasto oceano Atlântico em voos sem escala.
Algumas pessoas da minha idade (ou mais velhas) com quem tenho abordado o assunto, ainda se lembram dos ditos aparelhos, sem, contudo, poderem satisfazer a minha curiosidade sobre as circunstâncias do seu desaparecimento daquele lugar. Fica a saudade…





Os aparelhos que as fotos documentam são (de cima para baixo) : 1º - o «Yankee Clipper» (matrícula NC 18603), que assegurou -no dia 20 de Maio de 1939- o primeiro serviço transatlântico de correio aéreo entre Port Washington (base da companhia Pan American em Nova Iorque) e Lisboa, com paragem técnica obrigatória na cidade da Horta. Durante um desses voos, o hidro em referência despenhou-se no Tejo (a 22 de Fevereiro de 1943) e afundou-se. 2º - o «Dixie Clipper» (matrícula NC 18605), que inaugurou o primeiro serviço aéreo transatlântico regular de passageiros em 29 de Junho de 1939. Nesse dia viajaram, além dos 12 membros de equipagem do «Dixie», 22 passageiros. Gente rica que pagou por cada bilhete para a Europa 375 dólares, soma bastante elevada e que corresponderia, nos nossos dias, a cerca de 4 000 dólares. Segundo as parcas informações de que disponho, este aparelho sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e foi um dos ‘clippers’ da Panam a ser desmantelado nos anos 50, depois de ter sido considerado obsoleto. 3º - ‘clipper’ da Pan American não identificado, que ilustrou a capa da prestigiada revista «Life» (nº de 20 de Outubro de 1941). Na foto vê-se uma equipa técnica a assegurar trabalhos de manutenção no exterior do hidro.
Esta linha de passageiros partia também ela de Port Washington (Nova Iorque), fazia escalas nos Açores (Horta) e em Lisboa, e tinha o seu término em Marselha. Apesar dos riscos incorridos pela aviação comercial norte-americana, parece que este serviço intercontinental se manteve durante o conflito. Só que eu duvido, por óbvias razões, que a linha tenha chegado a Marselha, depois dos alemães terem extinguido, em França, a chamada Zona Livre (Novembro de 1942) e ocupado militarmente a antiga Massília.
Curiosidades : Os hidroaviões do tipo Boeing 314, os famosos ‘clippers’, eram os maiores aviões comerciais do seu tempo. A fuselagem, que media 33 m de comprimento, estava dividida em dois pisos que comunicavam entre eles através de uma escada de caracol. No andar superior estavam o posto de pilotagem e outros serviços técnicos, além dos compartimentos para a bagagem; no nível inferior acomodavam-se os passageiros e funcionavam os serviços de apoio (cozinha, sala de refeições, salões, bar, cozinha, sanitários, etc). O Boeing 314 era insonorizado e o serviço oferecido aos viajantes era excelente. Tinha (segundo se disse e se escreveu) a classe dos hotéis de luxo. Durante os voos de noite, a oferta de lugares a bordo era limitada, de modo a que todos os passageiros pudessem dispor do seu próprio beliche. O sistema de propulsão do hidro era constituído por quatro motores Wright ‘Double Cyclon’, cuja potência adicionada equivalia à força de duas locomotivas. A sua autonomia era de 5 630 km à velocidade de cruzeiro de 294 km/hora. Dos 12 aparelhos deste tipo construídos pela firma Boeing, 9 voaram com as cores da Pan American e 3 foram vendidos à B.O.A.C., companhia aérea britânica.

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