sábado, 3 de maio de 2014

O FIM DOS PAQUETES

O fim dos impérios coloniais e o progresso da aviação comercial foram, sem dúvida, os dois grandes factores que determinaram o fim dos paquetes. Navios de passageiros que foram -sobretudo a partir das décadas de 60/70 do passado século- substituídos nas marinhas mercantes dos países de vocação marítima, pelas unidades de cruzeiro. Estas, já inteiramente consagradas à rentável indústria das viagens de lazer, propostas, anualmente, a muitas centenas de milhar de turistas. Só Portugal (que empreendeu a descolonização tardiamente, em meados dos anos 70), perdeu a oportunidade de reconverter a sua frota mercante, que até era numerosa e tinha prestígio. Isso ficou a dever-se à acção de políticos medíocres e sem visão de futuro para o nosso país. Aventureiros adeptos da política do bota-abaixo e mais interessados na promoção das suas próprias e míseras pessoas do que no bem-estar colectivo. E assim foram para o maneta os navios de bandeira portuguesa. Aqueles paquetes que ainda podiam ter ser sido convertidos em unidades turísticas, os navios de carga geral, os navios de pesca, etc, etc. Como se sabe, a nossa marinha mercante é, hoje, insípida, sem sombra da importância que já teve. Daí até parecer normal, que -nessas condições- se fechem os estaleiros navais e se dispense uma mão-de-obra com experiência no sector da construção e da reparação de navios. Os navios que, acima, ilustram este texto são o britânico «Windsor Castle», da companhia britânica Union Castle. Até ao aparecimento de aviões como o De Havilland 'Comet' ou o Boeing 707, este navio fazia o percurso regular entre a Inglaterra e os 'dominions' da África austral, transportando, em cada uma das suas rotações, centenas de pessoas, que viajavam entre os dois pontos geográficos referidos, em viagens de negócios, de visita às famílias e por simples recreio. Mas também transportava correio e carga geral. Terminado o ciclo dos paquetes, o Reino Unido (cujos armadores se activavam, essencialmente, na ligação com as costas leste do Canadá e dos E.U.A.), mantiveram parte da sua frota, depois da reconversão que se impunha. O segundo navio é o «Ville de Marseille», que assegurava ligações regulares entre a sua cidade madrinha e os portos do norte de África (nomeadamente Argel e Oran). Os principais utentes dessa carreira eram os colonos de raiz europeia instalados no país (os 'pied-noirs') e algumas famílias árabes instaladas na margem norte do Mediterrâneo. Com a independência da Argélia (após uma guerra longa e inglória para os franceses) e com a instabilidade na nova nação africana, parte dos navios com a vocação do «Ville de Marseille» foram retirados do activo ou convertidos para serem utilizados noutras tarefas ou para passarem a deslocar-se para outros destinos. Alguns dos estaleiros navais gauleses continuam a laborar, nomeadamente os de Saint Nazaire, que, hoje, constroiem -para a França ou para clientes estrangeiros- alguns dos maiores e mais belos navios de cruzeiro que sulcam mares e oceanos. E nós por cá, continuamos na madorra do costume e a gabarmo-nos de possuir (para quê ?) uma das mais vastas zonas marítimas exclusivas. Dá vontade de dizer : «Ça nous fais une belle jambe», como, em circunstâncias parecidas, diriam os compatriotas de Fernandel... Enfim, a mim parece-me uma aberração sermos um país da Europa moderna, termos a tradição marítima que nos é reconhecida, dispormos de uma das mais importantes Zonas Económicas Exclusivas do planeta e... não termos marinha, nem estaleiros navais. E as culpas por esta situação absurda atiro-as, sem remorsos, para cima das aventesmas que, sob a capa de uma democracia de fachada, (des)governam este país há quase 40 anos.

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