quinta-feira, 8 de maio de 2014

CINEMA DE ANTANHO

Vivemos num país onde o espectáculo cinematográfico está em pleno declínio. Há por cá muitos distritos (sobretudo do interior) onde já não existe uma única sala exclusivamente consagrada à chamada 7ª Arte. Uma coisa que a mim me choca particularmente, por considerar que a invenção do cinema foi (no domínio do lazer e da cultura, mas não só) uma das grandes invenções do século XX. Ou melhor, de finais da centúria precedente, visto a primeira sessão pública de cinema -apresentada pelos irmãos Auguste e Louis Lumière- ter ocorrido, segundo reza a História, a 28 de Dezembro de 1895. Tenho saudades dos magotes de pessoas que, outrora e em dias determinados da semana, se dirigiam (em família ou integrados em grupos de vizinhos e de amigos) às modestas salas dos respectivos bairros, para assistir à programação proposta por um empresário da terra ou pela direcção de uma colectividade local, que haviam decidido apostar nesse espectáculo eminentemente popular. Onde, à hora marcada, todos nós nos encontrávamos num recanto de Monument Valley com o cowboy John Wayne, num palácio renascentista (ou no convés de um navio corsário) com o espadachim Errol Flynn, num feérico palco com os dançarinos Fred Astaire e Ginger Rogers ou, ainda, numa rua da baixa lisboeta com os impagáveis e inesquecíveis António Silva, Vasco Santana ou Ribeirinho. Há 50/60 anos havia na minha aldeia (do Alentejo profundo) um modesto local, onde as pessoas podiam ver filmes (por vezes, é certo, com muitos anos de atraso em relação à sua estreia na capital) e delicicar-se com as interpretações dos artistas supracitados e com as de muitos outros mais. Hoje, meio século mais tarde, se eu porventura desejar ver um filme numa sala adequada, tenho de por pés a caminho e percorrer 70 longos quilómetros (numa viagem de ida e volta) para poder assistir a semelhante espectáculo. Numa sala que (por absoluta necessidade) se abre a outras actividades, tais como o teatro, a música, etc, etc. E que, se não fosse assim, com a partilha do espaço comum, também essas artes já teriam sido varridas dos hábitos culturais das pesssoas que por aqui vivem longe de tudo. Enfim, são opções de 'governantes' (eu costumo chamar-lhes tachistas), que se estão macacando para o povoléu; que, afinal, só serve para, em datas precisas, ir disciplinadamente e em mansos rebanhos deitar , nas urnas desta democracia de carnaval, os votos em Suas Excelências. Para os eternizar no poder e lhes dar a ideia de que os previlégios de que gozam (à fartazana) lhes são devidos eternamente. Isto dito (com imensa tristeza, acreditem), quero aqui mostrar a quem visita este blogue, por hábito ou por acaso, duas imagens de um tempo em que o cinema era rei. O rei dos espectáculos populares, que proporcionava um gozo inaudito às multidões que, regularmente, acudiam às salas -grandiosas ou modestas- onde acontecia cinema, para apreciar o que de melhor se produzia em Hollywood, na Cinecittà e noutras fábricas de sonho espalhadas por esse mundo fora. As imagens em questão mostram o que foi, nos seus tempos áureos, o cinema Eden, de Lisboa. Um dos melhores e mais confortáveis da capital portuguesa, palco de estreias prestigiosas (tal como o seu rival e vizinho Monumental), onde afluiam muitos espectadores de Lisboa, mas também de cidades e vilas circunvizinhas, que queriam antecipar o visionamento de uma película que, nas suas terras, só seria exibida meses ou anos mais tarde. Na minha adolescência morei no Barreiro e fui uma dessas pessoas que, embora raramente, recorria aos cinemas dos Restauradores ou da avenida da Liberdade, para ver, mais cedo, uma das obras-primas da 7ª Arte. /////// Por simples curiosidade, quero chamamar a atenção do eventual leitor deste texto, para o facto da primeira fotografia mostrar a fachada do Eden nos anos 40 do século passado. O cartaz do filme em exibição é o de «Fátima, Terra de Fé», uma fita de produção nacional de carácter religioso (como facilmente se depreende pelo seu título), realizado em 1943 por Jorge Brum do Canto. E em cujo elenco figuraram Barreto Poeira, Graça Maria, Oliveira Martins e Maria Alvarez. A segunda foto mostra a grandeza dos interiores desta sala de cinema de Lisboa, agora transformada num... hotel.

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